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O desmonte “silencioso” do meio ambiente

  • ivbatistella
  • 4 de ago. de 2021
  • 4 min de leitura

A necropolítica do Governo Bolsonaro e suas repercussões ambientais nacional e internacionalmente

Queimadas na Amazônia, em 2020, e seu impacto na vida dos moradores (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

Em 24 de abril de 2021, o presidente Jair Bolsonaro, durante a Cúpula do Clima — uma reunião de 40 líderes mundiais para acelerar uma resposta à crise climática vigente –, apresentou um discurso, à primeira vista, positivo. “Destaco aqui o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, com plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal. Com isso reduziremos em quase 50% nossas emissões até essa data”, prometeu. Recentes desdobramentos comprovaram, entretanto, a ironia e falácia presente nesse discurso.

O Brasil, queimado ambientalmente tanto no sentido figurado quanto literal, não foi levado a sério. E com razão: falas, a esse ponto, não significam nada perto da completa falta de atitudes do Governo Federal. A maior contradição presente nesse discurso se apresenta diariamente, com os desdobramentos políticos caóticos que permeiam o noticiário brasileiro e compactuam com um desespero crescente da população.

Durante e após a vigência do Ex-Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ao longo desses longos anos de Governo Bolsonaro, nos deparamos com dados preocupantes. Pesquisas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que a floresta Amazônica já emite mais gás carbônico do que absorve; estudos do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostraram, em abril desse ano, a ocorrência do maior valor de desmatamento registrado em 10 anos. Não podemos esquecer, é claro, a invasão sistêmica de reservas indígenas por parte de garimpeiros ilegais e a estagnação do Governo Federal — responsável por proteger a integridade desses povos e suas terras — até uma intervenção por parte de judiciário brasileiro (STF), na figura do juiz Luís Roberto Barroso.

Indígenas Araribóia se intitulam 'Guardiões da Floresta' e defendem a terra de garimpeiros ilegais (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

A maior das ironias cabe ao ilustre ex-Ministro, Ricardo Salles, quebrador de recordes ambientais (no pior sentido do termo). Salles renunciou ao cargo no dia 26 de junho, saindo pela porta dos fundos do Ministério. A pressão se deu por mais um de seus ineditismos: pela primeira vez na história, um Ministro do Meio Ambiente está sendo investigado por envolvimento em um esquema de exportação de madeira ilegal. Sua exoneração, no entanto, não promete mudança alguma na gestão governamental: a base estrutural bolsonarista continua enraizada no Governo Federal.

Bolsonaro, durante a Cúpula do Clima, prometeu zerar o desmatamento ilegal e reduzir em 50% as emissões de carbono até 2030. Fazendo uma análise por partes, destaco uma das falas do Ex-Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, em reunião no dia 22 de abril de 2021:

“Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID, e ir passando a boiada e mudando todo regramento e simplificando normas. […] Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação, é de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos.”

Não é coincidência, portanto, perceber o fato de que todos os países reduziram o desmatamento ao longo da pandemia do Covid-19. Todos, menos o Brasil. O aumento descontrolado do desmatamento surge para possivelmente ser contestado no futuro com um discurso de que “reduzimos em 50% as emissões de carbono”. E é claro que é possível essa redução — comparado a progressão de crescimento, não é difícil voltar ao nível anterior, já péssimo.

O que Salles chama de “desburocratização”, chamamos de um desmonte inegável dos órgãos fiscalizadores do Meio Ambiente. Tirando ferramentas do IBAMA e do ICMBio, exemplos de grandes instituições de fiscalização ambiental brasileiras, dificulta-se a atuação desses órgãos e as punições para crimes ambientais. O discurso de Bolsonaro, intencionalmente vago, prometia acabar com o desmatamento ilegal. E isso não é difícil: é só legalizá-lo.

São inúmeras as repercussões internacionais em torno da atual política bolsonarista. Joe Biden ameaçou o Brasil com sanções econômicas no final de 2020 por conta da postura ambiental brasileira e do desmatamento. De forma simplificada, sanções significam um “cancelamento” geopolítico. Ou seja, a exclusão do país de negociações e investimentos que implicam uma perda de relevância significativa ao país.

O fato de 59% da Amazônia ocupar o território brasileiro é a única estrutura que nos mantém presentes na geopolítica global. Perdê-la significa um suicídio global a longo prazo, haja vista que a floresta representa um gigantesco potencial natural na questão da limpeza do meio ambiente, o processo de sequestro de carbono e a influência dos rios voadores no índice hídrico.

A geopolítica atual vem discutindo a nova economia. O mundo quer se tornar neutro de carbono, ou seja, descarbonizar até 2050; quer revisar a agricultura e a pecuária de forma a torna-la menos nociva. A exigência é simples e não demanda soluções imediatas: estamos falando de planejamento. Coisa que o governo atual parece incapaz de compreender.

Zerar o desmatamento não afeta negativamente a vida de 99% da população brasileira. Os únicos que são afetados são uma pequena, ínfima, minúscula, risível parcela da população que tem interesse na exploração descontrolada dos recursos naturais para gerar mais e mais dinheiro.

“Somente quando for cortada a última árvore, pescado o último peixe, poluído o último rio, que as pessoas vão perceber que não podem comer dinheiro.”

(Provérbio Indígena)

Artigo de opinião produzido para o Processo Seletivo do Jornal Impacto Ambiental, no dia 16/07/2021. Imagens utilizadas foram fotografadas pelo fotojornalista Ueslei Marcelino para Reuters, e você pode ver a fotorreportagem na íntegra a partir do link:


https://widerimage.reuters.com/story/fighting-fire-with-fire-amazon-forest-guardians-stalk-loggers

 
 
 

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