As consequências da pandemia na educação latino-americana
- ivbatistella
- 16 de fev. de 2024
- 4 min de leitura
Aumento nas taxas de pobreza de aprendizagem e evasão escolar são desafios educacionais em 2023
Isabela Batistella

O fechamento prolongado das escolas, a pouca eficácia das medidas de atenuação e as dificuldades econômicas foram os principais responsáveis pelo maior impacto de pobreza de aprendizagem na América Latina e no Caribe, durante e após o período da pandemia de Covid-19. Os dados são do relatório “The State of Global Learning Poverty: 2022 Update” (“A situação da pobreza de aprendizagem global: atualização de 2022), publicado em junho de 2022, em uma parceria do Banco Mundial, Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Cerca de 70% das crianças com 10 anos de idade não conseguem compreender um texto simples, afirmam.
O aumento da pobreza de aprendizagem foi maior em países de baixa e média renda. Especialmente, em países do sul da Ásia e da América Latina e Caribe, onde as escolas permaneceram fechadas por mais tempo. Foram 273 e 225 dias perdidos, respectivamente. O relatório destaca que habilidades fundamentais precisam ser universais, essenciais para o desenvolvimento dos indivíduos e sociedades, e o aumento da pobreza de aprendizagem é uma ameaça para o futuro das crianças e o desenvolvimento econômico dos países.
Em ambas as regiões, a porcentagem de estudantes sem acesso à redes de Internet prejudicou o acesso ao ensino remoto. O uso da televisão e rádio foi utilizado rapidamente para suprir esse vazio de ensino, mas não foi o suficiente para prover um aprendizado significativo para os estudantes, como afirma o relatório. Assim, apenas os segmentos mais ricos da população – com conectividade, mais de um aparelho tecnológico por membro familiar, um lugar para estudar, possuindo livros e materiais de estudo, e com um ambiente familiar tranquilo, dentre outras condições – foram capazes de manter um nível razoável de engajamento educacional.
Em entrevista para o El País, o mexicano de Nueva León, Ariana Lucio Muñoz conta como precisou reescrever os materiais escolares, que só chegaram na escola rural no fim do ano. “Nenhum material online nos serviu. Quase ninguém na comunidade tem internet. Tínhamos que encontrar as estratégias sozinhos”, disse. A reportagem do portal destaca a lacuna digital – no Brasil, um em cada três cidadãos não está conectado. Na Guatemala, o número é 50%. No Peru, 25%.
Para além da pobreza de aprendizagem, a evasão escolar também se tornou uma questão importante. Segundo o relatório citado anteriormente, 15 milhões de crianças e adolescentes abandonaram a escola durante o período. Ainda em entrevista ao El País, Alejandra Meglioli, diretora do programa regional de qualidade e impacto “Save the Children” afirmou que essa evasão é culpa do sistema, que foi incapaz de mantê-las em sala de aula.
Uma pesquisa da USP, desenvolvida por Nicolas Volgarine e Luciano Nakabashi, conclui que o déficit educacional é um resultado da pobreza. O trabalho investigou a relação da pobreza educacional com a renda dos municípios brasileiros. Nakabashi, orientador da pesquisa e doutor em Economia pela UFMG, em entrevista para o Instituto Humanitas Unisinos (IHU), afirmou que “a pobreza ajuda a manter a desigualdade intergeracional. Se a criança está em uma situação de pobreza, isso vai levá-la a ter problemas relacionados ao desenvolvimento de suas capacidades potenciais”.
Para o doutor em Economia, para resolver a situação, é preciso investimento na escola, políticas públicas para ajudar as famílias a sair da pobreza, além de acesso a tratamentos de saúde física e psicológica.
Para discutir os desafios e oportunidades da educação na América Latina, a UNESCO realizou, em novembro de 2021, um encontro virtual com autoridades ministeriais de 29 países da região: o Fórum Regional de Política Educacional. As discussões foram desde o entendimento do atraso para o cumprimento da Agenda Educação 2030 e do ODS 4, consequências da pandemia e dos 165 milhões de estudantes latino-americanos afetados pela interrupção das aulas. Dados da UNICEF demonstram que 3 entre 5 crianças no mundo que perderam um ano escolar durante a pandemia vivem na região da América Latina.
Os objetivos eram de enriquecer o papel dos sistemas de informação no planejamento e na gestão de políticas educacionais; repensar e melhorar a articulação entre os sistemas de informação e o ciclo de planejamento de políticas educacionais; e, por fim, promover estratégias para o cumprimento da Agenda ODS-Educação 2030, apesar dos desafios enfrentados na região.
Foi estabelecido, durante a reunião, um novo Comitê Diretivo de Alto Nível do ODS 4-Educação 2030 (SDG4- Education 2030 High-Level Steering Committee). As funções principais do comitê são: promover a formulação e implementação de políticas baseadas em evidências; monitorar o progresso e melhorar a disponibilidade e o uso de dados e informações; e, por último, aumentar a mobilização financeira e melhorar seu alinhamento.
Segundo a Unicef, com base no relatório da de 2022, “a reabertura das escolas deve ser a maior prioridade de todos os países”. Além disso, para enfrentar a crise de aprendizagem, a organização enxerga a necessidade de abordar dados para avaliação do nível escolar dos alunos.
A situação após a reabertura das escolas
O déficit de aprendizagem que pode chegar a uma década, o pior sintoma pós-pandemia foi a evasão escolar – que aumentou em 171%, segundo estudo do Todos pela Educação. Em setembro de 2022, 2 milhões de crianças e adolescentes estavam fora da escola. A série Reconstrução da Educação, idealizada pelo Estadão em maio de 2023, reuniu gestores públicos e pesquisadores da área da educação para dialogar sobre os caminhos para reduzir a pobreza de aprendizagem no Brasil.
As alternativas abordadas foram ampliação do tempo de permanência na escola, para evitar a evasão escolar, implementada com o programa Escola em Tempo Integral, publicada pelo Ministério da Educação no mesmo mês. Redução de desigualdades sociais entre turmas, ao entender o papel recorte socioeconômico na educação.
Além disso, investir na formação e contratação de professores, como forma de preparar os educadores para os novos desafios gerados pela pandemia, como a necessidade de alfabetização de alunos do fundamental. Por fim, destacam a necessidade de uma cultura escolar democrática – ampliando o diálogo entre professores e alunos. “Tudo isso cria uma ilusão de solução. Queremos avançar na direção da escola mais acolhedora, que faça mais sentido para a criança, o adolescente, o professor e a própria comunidade”, explica Kátia Schweickardt, secretária de Educação Básica, em entrevista para o Estadão.
Reportagem publicada em 10 de outubro de 2023 no portal Rombo Jornalismo, idealizado para a disciplina "Pensamento Jornalístico na América Latina", ministrada pela Prof. Dra. Maria Cristina Gobbi.
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