top of page

A política neocolonial de combate às drogas

  • ivbatistella
  • 16 de fev. de 2024
  • 5 min de leitura

A Guerra às Drogas e o aumento da população carcerária latino-americana


Isabela Batistella



Fonte: Carta Capital

O termo droga define amplamente qualquer substância que não seja assimilada de imediato como meio de renovação e conservação pelo organismo – como os alimentos –, sendo capaz de gerar no corpo reações tanto somáticas (físicas) quanto psíquicas, com intensidades variáveis, segundo Júlio Assis Simões, professor de Antropologia na USP. A América Latina sempre teve sua história conectada à das drogas – muitos povos nativos utilizam-nas com diversos fins, como os medicinais, religiosos e culturais.

O combate às drogas ganhou destaque no século XX, liderado pelos Estados Unidos, conforme explica Jéssica Zouhair, especialista em Relações Internacionais Contemporâneas, em artigo para a UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americana). Sua pauta era a tradição puritana do protestantismo, racismo contra imigrantes e aumento do consumo de drogas no país.

Na década de 70, o presidente Richard Nixon declarou que as drogas eram o “inimigo número um” das Américas, culpabilizando os países latinos pela produção e distribuição de entorpecentes. Zouhair aponta que a política anti-drogas foi retomada na época pelo aumento de imigrantes no país. A autora cita a advogada canadense Paula Malea, que afirmou existir uma “desconexão geopolítica entre Norte e Sul das leis de drogas, onde substâncias orgânicas, algumas fazendo parte da cultura de países do Sul, como a coca, papoula e a maconha, foram estritamente proibidas no Norte”. O tabaco, álcool e substâncias da indústria farmacêutica seguiram na legalidade.

Zouhair também explica o estereótipo criminoso latino-americano, especialmente colombianos, por conta de grande parte da cocaína advinda da América Latina. Contudo, é importante destacar que muito antes de droga ilícita, as folhas de coca (Erythroxylon coca) eram utilizadas na civilização Inca, sendo considerada sagrada e de alta importância social. Os povos andinos utilizavam a folha de coca como estimulante, amenizadora da fadiga provocada pela altitude, e para controlar sensações de sede e fome, além de servir como ajuda contra o frio intenso dos altiplanos da Cordilheira dos Andes. É em 1860 que o químico alemão Albert Niemann isolou o princípio ativo puro da folha de coca e a denominou cocaína. Inicialmente utilizada para efeitos medicinais.

A especialista em Relações Internacionais ainda destaca que o proibicionismo às drogas norte-americano gerou o endurecimento de leis penais para combate de narcóticos na América Latina. Dessa forma, consolidou hierarquias de raça e classe já pré-existentes, além de práticas de ‘higienização’ social, com aumento da população carcerária latino-americana.


Inconstitucionalidade da Lei de Drogas no Brasil


Plenário do STF durante julgamento em 02/08/2023. Crédito: Carlos Moura/SCO/STF

No dia 24 de agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento sobre a descriminalização da maconha para uso pessoal. O julgamento ocorre há mais de oito anos, e solicita declarar inconstitucional o artigo 28 da Lei 11.343/2006, a Lei de Drogas. Até então, a votação dos ministros do STF está com placar de 5 a 1 a favor de que a posse seja descriminalizada.

O artigo em questão pune com advertência, serviços à comunidade e medidas educativas quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar, tiver consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Contudo, a lei falha em não informar qual seria a quantidade considerada uso pessoal, deixando para o juiz avaliar a questão, levando em conta “as condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”, segundo a lei.

A pesquisa “Critérios Objetivos no Processamento Criminal por Tráfico de Drogas: natureza e quantidade de drogas apreendidas nos processos dos tribunais estaduais de justiça comum”, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), analisa que 58,7% dos casos de encarceramento por tráfico de maconha se referem a menos de 150g da erva.


Fonte: Diest/Ipea, “Perfil do processado e produção de provas nas ações criminais por tráfico de drogas”, 2023

Segundo o jornal O Globo, cerca de um terço de todos os presos do Brasil estão na cadeia por conta da Lei de Drogas. Para o advogado Rafael Custódio, em entrevista para a organização não-governamental Conectas, “o chamado combate às drogas é na verdade um instrumento eficaz de criminalização da pobreza e juventude negra”.

Na pesquisa “Perfil do processado e produção de provas em ações criminais por tráfico de drogas”, do Ipea, realizada neste ano, comprova-se por dados que o perfil dos encarcerados por tráfico de drogas é de homens (87%), jovens (72%) e negros (67%). Além disso, os dados apontam uma maioria para aqueles que possuem baixa escolaridade, com ensino fundamental incompleto, desempregados ou autônomos e com passagem anterior pelo sistema de Justiça.

No artigo “Lei de Drogas e encarceramento no Brasil”, publicado pelo Ipea, Marcelo Campos entende que a Lei 11.343/2006 trouxe como consequência a intensificação massiva da criminalização dos indivíduos por tráfico de drogas. Dados nacionais mostram o crescimento exponencial, desde 2006, do número de encarcerados por comércio de drogas.



Para Lucas Marcomini, economista, em sua pesquisa sobre os impactos econômicos e sociais da legalização da maconha, a Guerra às Drogas que ocorre há mais de três décadas não foi capaz de diminuir a prevalência das drogas. Os resultados da legalização são positivos e diversos, apresentando redução da criminalidade, melhor acesso a serviços de saúde por usuários, redução do poder econômico do tráfico e criação de um novo mercado e receitas tributárias ao governo.


Guerra às drogas

Política iniciada em 1971, no governo Nixon, com combate agressivo ao consumo, comércio e produção dos narcóticos. Os resultados, segundo Marcomini, demonstram que as leis de proibição não diminuem o consumo. Pelo contrário, o número de usuários de maconha aumentou no final do século XX e manteve uma estabilidade até o século XXI.

Além disso, a Guerra também foi responsável por aumentar a violência, com aumento do tráfico e disputas territoriais de facções inimigas. Do ponto de vista econômico, o World Drug Report (Relatório Mundial de Drogas), de 2016, feito pela ONU, estimou os gastos do combate às drogas entre 0,7% e 1,7% do Produto Interno Bruto dos países.


Descriminalização e Legalização

Marcomini explica que a descriminalização significa acabar com a penalização criminal da posse de pequenas quantidades de drogas, consideradas para uso pessoal, como a ação em trâmite no Supremo Tribunal Federal.

Portugal é um exemplo de país que descriminalizou a maconha e outros narcóticos, visando retirar o usuário da marginalização e reduzir os gastos com prisões, policiamento e riscos à saúde. Após a descriminalização portuguesa, a pena tornou-se administrativa.

Entretanto, Marcomini aponta que a descriminalização resolve apenas o problema do usuário. A legalização é, portanto, uma alternativa abrangente e definitiva, capaz de melhorar a condição de vida dos usuários e diminuir custos sociais e valores. Ademais, poderia retirar o poder financeiro de organizações criminosas, contanto que o Estado não opte por taxar a maconha de forma proibitiva, o que Marcomini acredita incentivar a manutenção do mercado negro.



Reportagem publicada em 02 de outubro de 2023 no portal Rombo Jornalismo, idealizado para a disciplina "Pensamento Jornalístico na América Latina", ministrada pela Prof. Dra. Maria Cristina Gobbi.

 
 
 

Comments


bottom of page